Alícia Soares
Que nós estamos sendo monitorados a todo momento quando utilizamos as redes sociais nós já sabemos, o que nem todo mundo sabe é que suas informações são utilizadas para mostrar conteúdo de interesse e publicidade. É o chamado Capitalismo de Vigilância, que extrai, mercantiliza e controla o comportamento dos usuários das redes para prever e manipular seus desejos de consumo. O ponto chave da questão é isso existir e não ser divulgado de forma clara a quem as acessa.
O documentário Dilema das Redes, produzido pela plataforma de streaming Netflix, traz várias questões muito importantes sobre a utilização das redes sociais. Exemplifica como as mídias afetam governos democráticos, como coloca seus usuários em uma espécie de bolha e de desinformação, como afeta a autoestima através de filtros e de fotos editadas, além da utilização dos hábitos inconscientes e das mentes vulneráveis para o controle de comportamentos.
Segundo Shoshana Zuboff, filósofa e professora de Harvard, o Capitalismo de Vigilância está presente na sociedade há 20 anos e suas ações acontecem para benefício próprio das corporações. No documentário, isso é mostrado através de uma simulação de uma central de controle e de funcionários que moldam o perfil dos usuários, vigiam suas atividades 24 horas por dia e transmitem sinais e gatilhos através de notificações para atrair suas atenções e acessar a rede, adentrando em várias armadilhas.
Esse tipo de acontecimento é presente porque os donos das redes sociais precisam manter seus usuários o máximo de tempo possível conectados para que sejam atingidos pelos anunciantes e, consequentemente, lucrem com isso. No mês de agosto, de acordo com o Índice de Bilionários da agência de notícias financeiras Bloomberg, a fortuna de Mark Zuckerberg ultrapassou US$ 100 bilhões. Só durante a pandemia do novo coronavírus, o fundador do Facebook teria ganhado mais de US$ 30 bilhões com o aumento do tempo de acesso dos usuários às redes.
Dessa maneira, refletindo nos tópicos de liberdade e segurança, a situação das redes sociais é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que você tem a liberdade para acessar e compartilhar o que quiser, você também tem uma segurança limitada em relação à privacidade desses dados. Devido ao Neoliberalismo, modelo econômico existente desde 1970 que preza pela não intervenção estatal, não existe regulamentação e a invasão à privacidade do usuário tem acontecido desenfreadamente.
Ademais, as redes sociais utilizam os algoritmos computacionais para continuar enviando seus conteúdos de interesse para o seu feed de notícias, na maioria das vezes encontrando somente as mesmas opiniões que a sua. Isso resulta cada vez mais em uma sociedade dual, dividida entre dois posicionamentos distintos e dos extremos. Assim, para que você não permaneça em uma espécie de bolha, onde só se encontra postagens e pessoas que pensam da mesma forma que você, o ideal é manifestar interesse em páginas diversas e formadores de opinião que pensam diferente, principalmente para que as empresas não prevejam seu comportamento e não utilizem os seus dados para manter esse modelo de negócio.
Em consequência dessa espécie de bolha presente nas redes sociais, é intensificada a polarização política e, com ela, a busca por atrair pessoas para seu lado a qualquer custo. Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump - de regimes de direita - foram acusados de influenciar seus eleitores através das redes e, no Brasil, houve a CPMI das Fake News. O próprio documentário informa que no Twitter, por exemplo, a chance de uma notícia falsa se disseminar em comparação com uma notícia verdadeira é até seis vezes maior. Dessa forma, é muito importante a utilização do fact checking para não sair disseminando notícias não verdadeiras para as suas conexões.
Levando para as Eleições de 2020, nesse mês onde tivemos o primeiro turno no dia 15 de novembro e teremos o segundo turno em algumas cidades no dia 29, algumas medidas tiveram que ser tomadas para isso não acontecesse. Além de uma maior fiscalização no Whatsapp em relação às listas de transmissões e mensagens spam, no caso de propagandas políticas, o Facebook também passou a deixar indicado que se trata de uma campanha política patrocinada, buscando essa transparência e veracidade dos fatos.
Algo muito interessante é dito no documentário e nos faz refletir em relação a que ponto chegaremos com o acesso ilimitado das redes sociais: "Dois tipos de indústria chamam clientes de usuários: a das drogas ilegais e a de softwares". Em consequência, as redes sociais utilizam das mentes vulneráveis de seus utilizadores para transmitir gatilhos como notificações e videos recomendados para mantê-los conectados por mais tempo, como uma espécie de vício. Não é a toa que no filme, é mostrado como as notificações afetam os adolescentes Ben e Isla, em que nos desafios propostos pela mãe, falham por quererem acessar as redes sociais a qualquer custo.
Então, depois de tudo isso que foi dito, nós devemos abolir as redes sociais da nossa vida? Não, mas utilizá-la com cautela. Policiar-se em relação às informações fornecidas às redes e a aplicativos, além de ter uma visão mais crítica sobre os gatilhos utilizados. Do lado dos governos, é essencial que seja feita uma regulamentação, assim como é presente na União Europeia a partir da Lei de Proteção de Dados, em que tais informações não podem ser disponibilizadas sem um objetivo explícito e sem a permissão do usuário. Vale lembrar que o direito à segurança pessoal, à informação e ao sigilo de dados estão presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Brasileira, e suas violações deveriam ser consideradas uma heresia.
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